Por toda parte, queixas e lamúrias: arrasaram o Brasil, estamos quebrados, tudo fechando, alugando. É uma fase pela qual temos de passa...
Por toda parte, queixas e lamúrias: arrasaram o Brasil, estamos
quebrados, tudo fechando, alugando. É uma fase pela qual temos de passar.
Quanta energia, troca de insultos, amizades desfeitas. Às vezes penso que a
melhor forma de abordar o novo momento é apenas deixar que os fatos se
imponham.
Muitas vezes afirmei que o dinheiro roubado da Petrobrás foi para
os cofres do PT e usado na campanha de Dilma Rousseff. Caríssima campanha, R$
50 mil por mês só para o blogueiro torná-la um pouco engraçada.
O primeiro fato importante foi a delação premiada do empresário
Ricardo Pessoa. Ele afirmou que deu quase R$ 10 milhões à campanha para não
perder seus negócios na Petrobrás. Logo depois surgiram suas anotações,
estabelecendo um vínculo entre o dinheiro que destinou ao PT e os pagamentos
que recebia da Petrobrás. Verdade que a empresa estava nomeada apenas como PB.
Claro que ainda podem dizer que esse PB quer dizer Paraíba, ou pequena
burguesia. É um jogo cansativo.
Nem é tão necessário que a investigação defina novos vínculos entre
o escândalo, o PT e a campanha de Dilma. Basta assumir as consequências do que
já se descobriu. Se o tema vai ser neutralizado no Supremo, se o governo compra
um punhado suficiente de deputados, tudo isso não altera minha convicção de que
o escândalo desnudou um projeto político criminoso.
Ainda na semana passada o Estadão publicou reportagem sobre a
Medida Provisória (MP) 471. Ao que tudo indica, foi comprada. Ela garante a
isenção de R$ 1,3 bilhão em impostos. E rendeu R$ 36 milhões em propina.
Não estranho que tenha sido aprovada pela maioria. Eram estímulos
para três regiões do País e as respectivas bancadas estavam satisfeitas com
isso.
Também não havia, da parte das outras regiões, questionamentos sobre
estímulos localizados. O único nó nesse campo, se me lembro bem, era a divisão
dos royalties do petróleo.
Muito possivelmente, a emenda foi vendida com o preço da aprovação
parlamentar embutido. De qualquer forma, a maioria no Congresso foi enganada e,
com ela, todos os seus eleitores.
A empresa que negociou a medida provisória destinou R$ 2,4 milhões
ao filho de Lula. Segundo a notícia, ele diz que o dinheiro foi pago por
assessoria de marketing esportivo. O pai assina a MP, o filho recebe R$ 2,4
milhões da empresa de lobby. Se você não estabelece uma conexão entre as duas
coisas, vão chamá-lo de ingênuo; se estabelece, é acusado de lançar suspeita
sobre a reputação alheia.
A maioria das pessoas consegue processar fatos e documentos já
divulgados e talvez nem se escandalize mais com a venda de uma MP: é o modo de
governar de um projeto. É todo um sistema de dominação. É preciso ser um Jack
estripador ou um ministro do Supremo para dizer: vamos por partes.
As conexões estão feitas na cabeça da maioria e nada de novo
acontece. Neste momento pós-moderno, em que as narrativas contam, mas não as
evidências, o conceito de batom na cueca também se tornou mais elástico. Não é
bem uma marca de batom, mas algo vermelho que esbarrou pelo caminho, uma tinta,
um morango maduro.
Enquanto se vive este faz de conta nacional, a situação vai se
agravar. É muito grande o número de brasileiros que se sentem governados por
uma quadrilha. Apesar de não estarem organizados, ou talvez por isso, alguns
vão se desesperar, ultrapassando os limites democráticos. O tom do protesto
individual está subindo. Dirigentes do PT são vaiados, figuras identificadas
até a medula com o partido, como o ministro Lewandowski, também não escapam
mais da rejeição popular.
O PT e os intelectuais que o apoiam falam de ódio. De fato, o amor
é lindo, mas como ser simpático a um partido que arrasa o País, devasta a
Petrobrás e afirma que está sendo vítima de uma injustiça?
Não são apenas alguns intelectuais do PT que se recusam a ver a
realidade. No passado, as denúncias de violência stalinista eram guardadas numa
gaveta escura do cérebro. Era impossível aceitar que o modelo dos sonhos se
apoiava numa carnificina. Agora também parece impossível admitir que o líder
que os conduz tem como principal projeto tornar-se milionário. É como se
admitissem ser humildes fiéis de uma religião cujo pastor acumula,
secretamente, uma fortuna, enquanto teoriza sobre a futilidade dos bens
materiais.
A sucessão de escândalos, demonstrando a delinquência do governo,
não basta para convencer os mais letrados. E certamente não bastará para
convencer os que ignoram a História e são pagos para torpedear o adversário nas
redes.
Mas os fatos ainda têm grande força. Lutar contra eles, em certas
circunstâncias, não é só um problema de estupidez, mas também de estreita
margem de manobra.
Se o governo não pode aceitar que suas contas sejam recusadas por
unanimidade no TCU, não resta outro caminho senão tentar melar o julgamento.
Sabem que todos estão vendo sua jogada e talvez experimentem uma ligeira
sensação de ridículo. Mas o que fazer?
A única saída decente seria renunciar. Mas, ao contrário, decidiram
ficar e convencer os críticos de que estão cegos por causa de sua ideologia de
direita, conservadora e elitista.
Isso radicaliza a tática de Paulo Maluf, que insiste em dizer que
não tem conta na Suíça, que o dinheiro e a assinatura não são dele. Maluf
apenas nega o que estamos vendo. O PT nos garante que há algo de errado com
nossos olhos.
Pessoalmente, na cadeia e no Congresso, fui treinado a discordar,
mas conviver com as pessoas, apesar de seus crimes. Nem todos os brasileiros
pensam assim, na rua. Não é possível irritar as pessoas ao extremo e, quando
reagem, classificá-las de intolerantes.
O momento é uma encruzilhada entre a ira popular e a enrolação
institucional. Com todos os seus condenáveis excessos, a raiva nas ruas é que
tem mais potencial transformador.
A esquerda sempre soube disso. Agora, com o traseiro na reta, o PT
descobre o amor.
Fernando Gabeira, Jornalista